sábado, 20 de novembro de 2010

Infância e Juventude é tema de encontro realizado pela ENM

Fonte: Assessoria de Comunicação da AMB
(18/11/2010)


Foto: Acervo AMB
Curso aborda atualidades em matéria de Infância e Juventude
Cerca de 80 magistrados participam nesta quinta-feira (18) do 2º Encontro Nacional de Magistrados da Infância e Juventude, que será realizado até esta sexta-feira (19), no Hotel Kubitscheck Plaza, em Brasília (DF). O curso aborda as atualidades jurisdicionais em matéria de Infância e Juventude. 
Na abertura do evento, o presidente da ENM, desembargador Eladio Lecey destacou a alegria em oferecer pela segunda vez um encontro com essa temática. “O assunto é de extrema importância para os magistrados e relevante para a sociedade”, afirmou. 
A primeira conferência do evento foi realizada pelo Doutor em Direito e Professor da Universidade de Buenos Aires e consultor da Unicef, na Argentina, Emílio Garcia Mendez e teve como tema “O Superior Interesse da criança”.  Ele afirmou que a iniciativa da ENM em oferecer esse curso é essencial para a formação dos magistrados. 
Em sua palestra, Mendez abordou pontos da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, e disse que os interesses da infância e juventude são um dos princípios mais relevantes dessa convenção. “O mais importante é a satisfação integral do direito das crianças. Não é possível satisfazer um direito, violando os outros”, afirmou. 
CNJ
A ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi a segunda conferencista do evento e explicou sobre o funcionamento do CNJ e o trabalho do órgão na área da Infância e Juventude.  
Entre os objetivos do Conselho, ela afirmou que um deles é contribuir para uma prestação jurisdicional realizada com moralidade e eficiência. Para a ministra, os juízes devem ter a consciência de que precisam selecionar os conflitos de interesse da sociedade. Nesse sentido, de acordo com Eliana Calmon, o CNJ, atua com eficiência em diversos projetos voltados para Infância e Juventude, como Infância Protegida, que discorre sobre ações de proteção com base no artigo 227, da Constituição Federal, o Cadastro Nacional de Adoção, o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos, entre outros. 
Para a ministra, é preciso que os tribunais tenham cuidado ao nomear juízes para área de Infância e Juventude. “Os magistrados devem trabalhar em áreas que gostam de atuar. O juiz deve ser vocacionado para atuar com crianças e adolescentes”, disse. 
Oficinas
Ainda na primeira parte do evento, os magistrados participaram de oficinas sobre os “Cadastros eletrônicos de adoção, acolhimento institucional e acolhimento familiar”, “Fiscalização permanente das entidades de acolhimento” e “Acolhimento institucional e familiar”. Participaram como facilitadores dos grupos, o juiz corregedor do CNJ, em Brasília, Nicolau Lupianhaes Neto, o juiz de Direito de Porto Alegre, Cleber Augusto Tonial, e a juíza da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, Cristiana Faria Cordeiro.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

CNJ recomenda fechamento de unidades de internação em Santa Catarina após denúncia de tortura

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai recomendar ao governador do Estado de Santa Catarina, Leonel Pavan, o fechamento de duas unidades de internação de jovens em conflito com a lei: a Pliat, em Florianópolis, e a São Lucas, no município de São José, região metropolitana da capital catarinense. Durante inspeção nessas duas unidades, realizadas no mês de agosto, a equipe do Programa Medida Justa, do CNJ, ouviu queixas de agressões, tortura, humilhação e outros tipos de maus tratos. Segundo os internos, os monitores  fazem dos castigos físicos uma rotina, com o uso de armas de fogo e algemas de pulso e de tornozelos.
O Programa Medida Justa realiza inspeções em unidades de internação de todo o país para traçar um diagnóstico da situação dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. Com base nos problemas detectados, o CNJ cobra das autoridades estaduais melhorias na atenção aos internos, como é o caso de Santa Catarina, onde foram inspecionadas 20 unidades em 16 municípios.
De acordo com o relatório gerado a partir da inspeção, grande parte das unidades possui arquitetura prisional, sem condições de propiciar aos adolescentes atividades lúdicas, esportivas, de lazer e profissionalizantes. “O que se pode perceber é que os gestores do sistema não estão preocupados com o cumprimento da lei e o respeito à dignidade dos adolescentes internados”, informa o relatório.

Sobre as unidades de Pliat e São Lucas, o documento traz a seguinte constatação: “Em ambas, notou-se que o grupo de monitores, ao invés de internalizar os valores protetivos e socioeducativos no tratamento dos adolescentes, que são próprios da principiologia estabelecida pelo jurídico pátrio, vivenciam cultura de dominação e intimidação”. Na parte que sugere o fechamento das duas unidades, é dito que elas não atendem às necessidades dos jovens e aos preceitos legais. O documento diz que o fechamento é importante “para que os horrores que lá ocorrem tenham fim, com a responsabilização daqueles que estão a violar os direitos básicos dos adolescentes”.
Na unidade Pliat, que foi visitada pelos juízes Francisco Jaime Medeiros Neto (TJCE) e Vera Lucia Deboni (TJRS) e definida como “semelhante a uma masmorra da Idade Média”, a equipe do CNJ viu, em cada um dos alojamentos, três ganchos presos à parede. Segundo queixas dos adolescentes, ali eles são algemados nus e, em seguida, agredidos e torturados. Além disso, os internos contaram ser obrigados a urinar dentro de seus próprios alojamentos, em garrafas tipo pet. Isso ocorre quando eles não conseguem ir ao banheiro, porque os monitores se negam a abrir a grade do alojamento. E, quando autorizados a ir, o banheiro não dispõe de portas que garantam um mínimo de privacidade. Os menores denunciaram também que são obrigados a lavar os pratos sujos deixados pelos monitores e que, por motivos fúteis, ou mesmo sem motivo, são agredidos.
O clima de intimidação na Pliat se reflete também nas caveiras que adornam o quadro de avisos e nas camisetas pretas dos monitores que, segundo relato dos menores, portam, durante a noite, pistolas calibre 380. 
Na unidade São Lucas, segundo o relatório, a equipe do Programa Medida Justa constatou que a arquitetura é inadequada e que “a gestão padece de problemas semelhantes aos verificados no Pliat, com notícias de tortura, agressões, tratamento degradante e intimidação”, além do fato de os funcionários não recolherem o lixo despejado pelos internos, que acaba se acumulando no chão.
A fiscalização do Judiciário local junto ao sistema de internação também mereceu críticas. Por isso, o CNJ recomendará ao presidente do Tribunal de Justiça e ao corregedor uma melhor capacitação e atualização dos magistrados e servidores das varas da Infância e da Juventude.       
Atraso- Durante a inspeção, a equipe do CNJ solicitou às autoridades locais esclarecimentos sobre convênio do governo estadual com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para a construção de uma unidade de internação no município de Joinville. Embora o prazo de execução do convênio expire em 28 de dezembro, as obras sequer foram iniciadas. Foram pedidas explicações também sobre o atraso na execução de outro convênio, este para a construção de uma unidade na Grande Florianópolis.
Outro problema detectado é que na maioria das unidades visitadas, embora destinada à internação provisória, 80% dos internos são sentenciados e, por isso, não deveriam estar ali, mas em estabelecimentos preparados para uma permanência mais prolongada, devidamente aparelhados para atender aos adolescentes privados de liberdade.
A inspeção do Programa Medida Justa constatou ainda que a inexistência de uma defensoria pública em Santa Catarina impede que ocorra a nomeação de defensores para os adolescentes em todos os processos. O governador do estado receberá do CNJ a recomendação de implantar o serviço.

domingo, 14 de novembro de 2010


Pulava muros de olhos fechados. Saltava apenas para balançar o corpo. Nada o satisfazia tanto quanto sentir as maos livres no ar. Tocava o chão em segundos e, bastava para alivio da alma.
Diferente decidiu saltar de olhos abertos e experimentou ver do alto o que sentia nas mãos. Pulou atento. Atento. Achou o chão.
Desapontado por ver seu pulo tal com era. Rápido. Seco. Sem o céu. De cabeça baixa começou a caminhar. Sem fantasias. Sem mais apegos. Sem ilusões de voar.
Nunca mais percebeu um muro. Hoje sabe que tem o chão.
Longe se vê o menino andando e tapando os olhos

Ode à eterna infância

Aldenete teria idade para casar e engravidar. Morar com seu marido à beira de uma estrada de barro, no interior do Ceará, numa casinha simples, mas cômoda e confortante. Ou teria idade para ir ao baile de forró do centro da cidade, e, com as primas de idades parecidas, faria os rapazes mais tímidos corarem só de lançar a eles um sorriso arquitetado pela vontade de provocar. A idade já lhe começaria a ser preocupação a média prazo, pois estaria se aproximando daquelas crises estúpidas que acometem qualquer moça que se afasta de seus vinte e poucos anos e encosta nos quarenta e tantos. Mas Aldenete, de 29 anos, aprendeu a dizer “mamãe” a pouco mais de um mês. Risonha, a moça, de 12 quilos e quase quarenta centímetros, é, também, uma criança de pouco mais de um ano de idade.
Entre a infância enjaulada num corpo cansado, rechonchudo, e a maturidade fantasmagórica, Aldenete não pode ser definida, a não ser com a condição de que, diante de sua magnífica existência, aceitemos o preceito de que tempo cronológico e tempo psicológico são coisas distintas. Quem está diante de Aldenete está diante do paradoxo da coexistência de duas contagens de tempo antagônicas.
Despercebido, na fase inicial, seu hipotiroidísmo, coube à família criar a menina que jamais será adulta. Desde 1981, Aldenete está rodeada de bonecas, chocalhos e chupetas. Na sua carteira de identidade, a foto, atual, impulsiona qualquer um a acreditar que se trata de um engano. Afinal, é a foto do bebê que está no documento errado, ou a data é que foi impressa com dígitos errados? Mais do que um caso especial da medicina mundial, Aldenete é apenas um bebê que está encostado numa pedra. E, tanto um - pedra - como o outro - Aldenete -, não podem ir além do que são. E isso não é desesperador; pelo contrário. Uma vida acomodada na eterna infância; quem negaria tal oferta, acaso nos fosse dada a chance de evitar o enfadonho ritmo do amadurecimento?

Façamos reportagem, apenas

Tenho de volta a obra-prima "O Segredo de Joe Gould", de Joseph Mitchell, que marcou a grande reportagem norte-americana sem, para isso, necessitar de celebridades ou grandes nomes da época como fontes.

Como disse João Moreira Salles, no prefácio da edição da Companhia das Letras, a cada texto de Mitchell, uma árvore vem abaixo - fazendo alusão ao pica-pau que pode derrubar uma árvore. Explico. Ninguém tem paciência suficiente para ver um pica-pau bicar uma árvore durante mais de duas horas, até que ele consiga derrubá-la. Mas o jornalista do New York Times tinha.

No caminho de volta para casa, hoje, com o livro em mãos (havia emprestado há mais de seis meses), concluí que a fonte de Mitchell, o velho Gould, era a mais difícil. Não porque não possuisse assessoria de imprensa, ou escritório, ou cargo importante. Mas talvez porque era a pessoa desisnstitucionalizada, livre e, portanto, atraente para o jornalista.

Como medir os méritos de uma reportagem? Vamos verificar se ela derrubou um presidente, ou um senador? Se ela atingiu o objetivo de prestar um serviço? Se ela salvou vidas, alertando de algum perigo qualquer? Trouxe conhecimento erudito, educou, esclareceu?

O fato é que ler Mitchell, sua reportagem mesmo, em nada atinge esse checklist. Não derruba governo, não educa, não presta serviço, nem sequer traz previsão do tempo ou resultado da última rodada do campeonato.

Qual a função? Não digo do jornalismo, mas desse tipo específico de matéria, que relata, conta, revela.

Creio que simplesmente - e já é muito - ser peça artistica. E política.
Mitchell não está apenas contando o que o Outro faz - o ser bizarro que é Gould -, mas, além dessa fronteira, está fazendo algo objetivo - produzindo um produto, uma obra, um discurso, uma coisa que não é mera reprodução de conhecimento, mas conhecimento em si.

A peça (e falo aqui em peça, no sentido literal mesmo, como parte de algo que se destaca e se torna coisa autônoma) de Mitchell, seu texto, é a novidade; é ele o trabalho final. E é este o serviço que presta - semelhante ao que nutre o mundo plástico.

Pouco se comenta da plasticidade do texto jornalístico, coisa até ridicularizada nas grandes redações.

Quase entrando na estação de metro, ainda hoje, encontrei o nosso Gould, sobre o qual já escrevi aqui. Seu Verdi. Esse senhor não produz indicadores econômicos, não é autoridade em nada, não é fonte pra ninguém, a não ser para ele mesmo. Para o jornalismo, é desinteressante, pois é uma figura raza, desimportante.

Talvez, a função da reportagem seja subverter esse pensamento que contamina. E parte do remédio pode ser extraído de Mitchell.

PanAmericano: Banco Central não viu porque não quis

O trambique operado no banco do grupo Silvio Santos, causou um rombo na Caixa Economica Federal, ameaça o sistema financeiro, e mostra que o BC brasileiro, apesar de se dizer surpreso, foi conivente, irresponsável ou na melhor das hipoteses, incompetente ao lidar com a questão.


ZOIÃO - Meirelles prá que esses olhos tão grandes?

Fontes: Folha de São Paulo, Agora, Tudo Global, Sidney Resende, Folha Online, Estadão

Quanto mais vem à tona o formato do trambique do banco PanAmericano, do Grupo Silvio Santos, mas enredado fica o Banco Central. No estilo raposa investigando o desaparecimento de galinhas, os técnicos do BC, à medida que vão expondo as nuances do rombo contábil, de R$ 2,5 bilhões (até agora), evidenciam a própria culpa, ou cumplicidade, no episódio.

Sabe-se que a fraude foi executada de maneira primária, simplista e até grosseira, durante três ou quatro anos nas barbas do presidente do Banco Central, Henrique "Oião" Meirelles, que diz cinicamente, que o órgão regulador do governo, agiu a tempo e a hora.

Além de todas as outras implicações, existência de um rombo como esse, por tanto tempo, e em níveis tão evidentes, põe em risco a credibilidade de todo o sistema financeiro brasileiro. Quem garante que isso não possa estar acontecendo no banco onde você tem conta, onde você aplica, onde você tem as economias guardadas?

O que se sabe até agora, os diretores do Banco PanAmericano, usavam de estratégias contábeis pouco discretas como a manipulação dos saldos devedores dos clientes de cartão de Crédito, criaram inclusive cartões fantasmas, registrando falsas movimentação astronômica, para parecer que o banco estava financiando transações e era credor dessas dívidas inexistentes. Só essa parte da contabilidade escondia um rombo de R$ 400 milhões.

Divulgou-se também que um único cliente pessoa física, o empresário Adalberto Salgado, de Juiz de Fora (MG), recebia mais de R$ 120 milhões de rendimento por ano numa aplicação na instituição, brindado com taxas muito superiores às de mercado.

Ele mantinha R$ 400 milhões num CDB (Certificado de Depósito Bancário) do PanAmericano, que o remunerava a mais de 30% ao ano. Quando, em média, o normal seria algo em torno de 10,75% ao ano.

O CDB é um instrumento usado pelos bancos para captar recursos. O investidor empresta dinheiro ao banco e recebe juros baseados no CDI - taxa cobrada nas transações entre instituições financeiras.

A Folha de São Paulo comenta que “a descoberta de uma aplicação tão extravagante só após a intervenção é um indício de que a fiscalização do BC cometeu “falhas graves” no caso do PanAmericano.”

A fiscalização deveria ter notado o CDB, no mínimo, pelo risco que o pagamento de juros tão altos significaria ao banco.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tentou tirar o dele da questão afirmando que não é obrigação do Banco Central auditar instituições financeiras e que no caso PanAmericano, até agora não houve qualquer aporte de dinheiro público, para resolver a questão.

Acontece que no final do ano passado após as auditorias internas e externas, que não identificarem problemas nos balanços patrimoniais, a Caixa Econômica Federal, um banco estatal, adquiriu 49% das ações do Panamericano, injetando na instituição que afundava R$ 739,2 milhões.

Fala-se que na ocasião o governo federal estava estimulando a compra de carteiras de crédito de bancos pequenos e de médio porte devido à falta de liquidez provocada pela crise econômica mundial. O objetivo era impedir que essas instituições quebrassem (?).

Como os 49% do Banco PanAmericano, depois de descoberta a roubada, vale menos da metade do que valia, na ocasião da transação, a Caixa Econômica, contabiliza por baixo um prejuízo direto de R$ 350 milhões. Pergunta-se: quem é o responsável por esse desastrado negócio? Quem vai para cadeia?

Tráfico de pessoas: a vítima tem tudo a perder

Sob o título "Tráfico de pessoas", o artigo a seguir é de autoria de Edmundo Antônio Dias Jr., Procurador da República em Minas Gerais, e foi publicado originalmente no jornal "Estado de Minas" no dia 12/11:
 
Belo Horizonte sediou, nos dias 8, 9 e 10 de novembro, o I Encontro Nacional da Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, com os objetivos de fazer um balanço da execução do I Plano Nacional na matéria, bem como de formular diretrizes para o II Plano a ser elaborado. O tráfico de pessoas ainda é uma realidade no Brasil. Para isso contribuem as marcas de autoritarismo de uma sociedade escravocrata formalmente abolida há 121 anos. Hoje, o tráfico de pessoas volta-se preponderantemente a abastecer as demandas da exploração sexual ou de mão de obra assemelhada à do trabalho escravo. A redução da pessoa a condição análoga à de escravo é crime previsto no art. 149 do Código Penal. O tráfico para fim de exploração sexual constitui os delitos do art. 231, se internacional, ou do art. 231-A, se interno.

No crime de redução a condição análoga à de escravo, as vítimas são cidadãos de direito e escravos de fato. Portanto, embora elas tenham, na expressão de Hannah Arendt, o direito a ter direitos, são impossibilitadas de exercê-los. É revelador que tal delito seja denominado como crime de plágio, do latim plagium, significando o roubo de uma pessoa. É disso que se trata, pois o que resta àquele de quem se subtraem a liberdade e a dignidade?

A traficância de pessoas para exploração sexual já era praticada na Roma Antiga, como um dos frutos podres das conquistas do Império Romano e, mais recentemente, mesmo países europeus que sofreram os efeitos perversos de guerras padeceram desse mal. Na atualidade, se há as pessoas (em sua grande maioria mulheres, mas também transexuais são vítimas do delito) que, cientes do que lhes espera, veem no traficante um benfeitor que pode lhes propiciar melhoria de vida ou, no caso do casamento servil, ascensão social, há de outro lado, ainda que em menor número, aquelas que assentem com a emigração diante da promessa enganosa de um trabalho de garçonete ou babá, p. ex.

A modernidade traz ainda outras cores grotescas ao tráfico de pessoas, qual o que é realizado para extração e comércio de órgãos como córneas ou rins. Em todos esses casos, excluído o tráfico interno às fronteiras nacionais, apresentam-se organizações criminosas transnacionais, nos termos definidos na Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil e aqui promulgada pelo Decreto 5.015/04. Um dos protocolos adicionais a essa Convenção cuida justamente da prevenção, supressão e punição do tráfico de pessoas.

Não é raro que uma pessoa que tenha sido traficada para prostituir-se passe de vítima a integrante da organização criminosa, voltando ao seu local de origem para aliciar outras mulheres, dando sequência, assim, ao ciclo vicioso. Daí a necessidade do acolhimento das vítimas, de modo que o Estado evite tanto a continuidade desse processo, como a revitimização de uma pessoa muitas vezes já fragilizada no tecido social do qual é oriunda.

De toda forma, a instrução de processos judiciais nessa seara é comumente bastante embaraçada, seja porque a organização criminosa atua em mais de um Estado nacional, dificultando o seu desbaratamento e a oitiva dos seus integrantes, seja porque algumas vítimas retornam ao país para onde inicialmente foram traficadas, o que contribui para a deficiência da prova.

Muitas vezes, sem visto de permanência no país de destino, as vítimas optam por ali viverem na clandestinidade, o que concorre para perpetuar a sua vitimização. A pessoa traficada, nesse caso, encontra-se em uma situação de ilegalidade que, embora de modo menos dramático, a aproxima de uma reflexão de Hannah Arendt sobre os refugiados. Celso Lafer, discípulo da pensadora alemã, e lembrando que ela mesma foi uma refugiada, cita um artigo de sua professora (We refugees), em que ela sintetiza da seguinte maneira a situação que vivenciou: “Perdemos nossos lares, o que significa a familiaridade da vida quotidiana. Perdemos nossas ocupações, o que significa a confiança de que temos alguma utilidade no mundo. Perdemos nossa língua, o que significa a naturalidade das reações, a simplicidade dos gestos...” Uma adequada política de imigração, no Estado de destino da pessoa traficada, pode, evidentemente, atenuar o problema.
Blog do Fred

ELEIÇÃO DA AMB: ATOR DA GLOBO CONTRA MAGISTRADO

Alberto Luchetti*

"A disputa eleitoral para a presidência da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), entidade que congrega juízes e desembargadores de todo o país, tem apresentado características singulares. O atual presidente da entidade, Mozart Valadares, juiz de direito, viveu e vive à frente da entidade de classe uma verdadeira paranóia midiática, uma psicose caracterizada por um orgulho exagerado e um egoísmo que chega às raias do absurdo.

Mozart Valadares não perde uma oportunidade para aparecer, e na maioria de suas manifestações só se presta a desagregar a magistratura, macular a imagem do magistrado, incitar o público contra a classe, quando tinha a obrigação de defendê-la, como órgão de classe que é. Neste momento em que a magistratura precisa de respeito, união, força, as manifestações deste presidente têm servido apenas para adular, lisonjear baixa e servilmente, os menos avisados, e também para tentar dar prestígio popular ao seu candidato.

Nos debates realizados entre os dois magistrados que disputam a sucessão de Mozart Valadares, o candidato Gervásio Protásio Santos, que representa a situação, e o candidato Nelson Calandra, da chapa Novos Rumos, representante da oposição, adotam posições completamente antagônicas. Enquanto Gervásio assume o papel de Mozart, como ator que causaria preocupação ao artista Tony Ramos da novela 'Passione' da Rede Globo de Televisão, Nelson Calandra fala como um verdadeiro magistrado a seus pares.

Outro aspecto que caracterizou essa disputa eleitoral classista foi o uso da máquina. Mozart utiliza toda a estrutura e todos os recursos financeiros de sua entidade para eleger o seu candidato Gervásio Santos. Os dois criticaram, publicamente, juízes e desembargadores por participarem de congressos patrocinados e saíram com destaque e elogios da mídia, mas pediram depois desculpas a toda a magistratura, culpando a imprensa que não entendeu suas declarações. Essa atitude desprezível de Mozart e de seu candidato Gervásio lembra a postura da pessoa sem moral, infame e velhaca. Que acusa publicamente e sempre pede desculpa no particular.

Mozart criticou, na Folha de S. Paulo e no site Consultor Jurídico, que o encontro da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), na Bahia, "dá a conotação de lazer e diversão" da magistratura. Mas realizou neste final de semana um encontro semelhante, em Aracaju, com uma plateia de apoiadores de Gervásio, para tentar conseguir manter na presidência da AMB esse mesmo grupo de atores e não de magistrados.

Gervásio e Mozart fazem o uso midiático e o uso da máquina da AMB para jogar com a opinião pública e com a população, esquecendo que representam uma categoria de classe e que deveriam se preocupar com os interesses da categoria que representam. Ao líder de uma entidade, cabe o papel mais evidente de defender a sua coletividade, a sua comunidade e não o que faz Mozart e seu candidato Gervásio, que só contribuem para a desunião da magistratura brasileira, com posturas incoerentes e oportunistas.

Como jornalista e comunicólogo, vejo hoje a AMB dirigida por um ator que nunca disputara os principais papéis de uma simples produção de novela, chamado Mozart Valadares que quer eleger um aliado de menor importância ainda, apresentado como Gervásio Protásio. Cabe aos senhores juízes e desembargadores saberem o que é melhor para a categoria. Ou votar num ator de segundo escalão da Rede Globo ou num magistrado de respeito. A escolha é dos senhores. E as consequências também".

(*) Alberto Luchetti é jornalista e comunicólogo.
http://blogdoluchetti.blogspot.com