sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Coisas de Imortal

Uma rixa antiga entre dois integrantes da ABL (Academia Brasileira de Letras) ressuscitou nesta semana com ares de folhetim.
Irritado porque o ex-ministro da Educação Eduardo Portella, 78 anos, conversava durante uma fala sua durante sessão na semana passada, o poeta e tradutor Lêdo Ivo, 87 anos, leu aos acadêmicos na sessão de ontem (quinta-feira, 4/8) um texto desancando o colega, sem no entanto citar o nome dele.
Conhecedores do dia a dia da ABL não têm dúvidas de que o alvo dos ataques é Portella --velho desafeto de Ivo. O professor ex-ministro da Educação (governo Figueiredo) estava no auditório quando foi insultado, mas não se manifestou.
No discurso, Ivo chamou o adversário de "macilento boquirroto", queixando-se que durante 25 minutos ele emitiu "ganidos, gemidos, vagidos, coaxos, grasnidos, uivos, ladridos, miados, pipilos e arrulhos intoleráveis, senão obscenos".
Sempre em linguagem cifrada, fez chiste com os cabelos pintados do colega, chamado de "tintureiro de si mesmo" (definição do padre Manuel Bernardes).
"Há velhos que procuram enganar-se a si mesmos, pintando os cabelos, embora as florejantes e fartas cabeleiras antigas já tenham sido devastadas pela sabedoria ou impiedade dos tempo, que as converte em insidiosas relíquias capilares", escreveu.
"No episódio em pauta", prossegue "o uso imoderado dessa tintura, ou pintura, para esconder o inescondível e disfarçar o indisfarçável, casa-se com a boquirrotice provocadora."
"Mas, tintureiro de si mesmo e boquirroto, esse personagem bizarro merece e reclama, de nossa parte, não um ato agressivo ou belicoso, ou alagoano [Ivo nasceu em Alagoas], mas a muda expressão dessa piedade e dessa misericórdia que devem habitar sempre os nossos corações."
Sobrou também para o presidente da ABL, Marcos Vinicios Vilaça, acusado de ser omisso e leniente no episódio --pois, disse Ivo, teria o dever de impor silêncio ao auditório.
Lêdo Ivo diz que, momentos antes de seu discurso, Vilaça queixara-se dos gastos excessivos com táxi de um dos acadêmicos (não o nomeia), mas, durante a sessão, não deu devida atenção ao episódio.
Leia a seguir a íntegra da carta enviada por Lêdo Ivo aos acadêmicos:
"Sr. Presidente,
Senhoras Acadêmicas,
Senhores Acadêmicos,
Nesta Academia, como em todas as corporações que se regem pelas normas da civilização, da boa educação, da polidez e da conviviabilidade, o silêncio do auditório, durante a fala de um dos seus integrantes, é um princípio pétreo.
Esse princípio, Sr. Presidente, foi vulnerado quinta-feira última, quando eu estava falando sobre Gonçalves de Magalhães.
Durante 25 minutos, este auditório ouviu, ininterruptamente, ganidos, gemidos, vagidos, coaxos, grasnidos, uivos, ladridos, miados, pipilos e arrulhos intoleráveis, senão obscenos, de um macilento boquirroto ostensivamente deliberado a tisnar e perturbar a minha exposição.
Momentos antes, Sr. Presidente, V. Exa. exarava o seu zelo por esta Casa versando sobre a quilometragem exorbitante de um dos táxis que servem aos acadêmicos do plenário e que, em seu alto juízo, golpeava as burras fartas desta Academia, a mais rica do mundo.
Esse zelo, que é louvável, ou extremamente louvável, se cingiu na sessão de 5. feira última, a um inquietante item monetário, e não voltou a florescer quando um dos mais antigos integrantes desta Casa discorria sobre Gonçalves de Magalhães.
Entendo que era dever inarredável de V. Exa. impor então ao auditório o silêncio de praxe, exercendo plenamente a sua Presidência.
Esse entendimento, aliás, não é só meu --- mas ainda o de outros companheiros que, finda a sessão, e ao longo da semana, estranharam a omissão, leniência ou tolerância de V. Exa.
Houve até companheiros que me externaram a opinião de que eu deveria ter suspendido a minha palestra, já que ela fluía num ambiente toldado pela enxurrada de grasnidos a que já aludi.
E não posso nem devo esconder que outros confrades, apreciadores das soluções surpreendentes ou belicosas que quebram a monotonia da vida e das instituições me interpelaram, surpresos, desejosos de saber onde estava a minha alagoanidade, que não se manifestara.
A todos esses companheiros fiéis à tradição de urbanidade e conviviabilidade desta Academia, onde estou há 25 anos, expliquei o ter lido o meu texto até o fim.
Deus, em sua infinita generosidade, assegurou-me, aos 87 anos, o timbre de voz de minha juventude.
Não pertenço à raça dos velhos trôpegos que, com voz de falsete, emitem arrulhos indecorosos em ocasiões em que a decência reclama o ritual do silêncio.
Mas a razão decisiva que me levou a não suspender a minha palestra é outra. Além de ter mantido em mim a voz de minha juventude, Deus me aquinhoou com o sentimento da misericórdia --que é a compaixão suscitada pela miséria alheia-- e da piedade, que é dó e comiseração.
Confesso, Sr. Presidente, que me confrange o coração assistir ao penoso espetáculo dos que, alcançada a velhice, ostentam em seu trajeto os sinais indeléveis e quase póstumos da decadência física, mental e moral aceleradas, e mesmo amparados por bengalas astutas rastejam nos salões, corredores e auditórios tão lastimosamente, com os olhos mortiços fixados no chão, como se temessem resvalar em uma cova aberta.
Há velhos que não sabem envelhecer e, desprovidos da alegria e do amor à vida, e do emblema do convívio, destilam ódio, inveja e despeito, porejam calúnias e intrigas, bebem o fel do ostracismo e da obscuridade.
Há velhos que procuram enganar-se a si mesmos, pintando os cabelos, embora as florejantes e fartas cabeleiras antigas já tenham sido devastadas pela sabedoria ou impiedade dos tempo, que as converte em insidiosas relíquias capilares.
Esses velhos enganosos e enganados, o padre Manuel Bernardes os estampilha de "tintureiros de si mesmo".
No episódio em pauta, o uso imoderado dessa tintura, ou pintura, para esconder o inescondível e disfarçar o indisfarçável, casa-se com a boquirrotice provocadora.
Mas, tintureiro de si mesmo e boquirroto, esse personagem bizarro merece e reclama, de nossa parte, não um ato agressivo ou belicoso, ou alagoano, mas a muda expressão dessa piedade e dessa misericórdia que devem habitar sempre os nossos corações.
Encerro esta palesta com um verso de Lucrécio: "É doce envelhecer de alma honesta".
Deus guarde V. Exa. Senhor Presidente, e os demais integrantes desta Casa.
Tenho dito."

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Ofensa à imparcialidade do juiz é ofensa ao cidadão

Sob o título "O dia do medo para todos nós", o artigo a seguir é de autoria do juiz federal Vilian Bollmann, de Santa Catarina. Foi publicado originalmente no jornal "Notícias do Dia", de Florianópolis, em 11/5. Mencionado em comentário de uma leitora deste Blog, é reproduzido com autorização.
Conta-se que, em 1745, mesmo ameaçado pelo imperador alemão, que queria desmanchar um moinho que atrapalhava a paisagem do seu palácio, o velho moleiro recusou-se a entregar as suas terras, dizendo: “ainda há juízes em Berlim”.
No dia em que o juiz tiver medo de julgar conforme a sua consciência, não haverá quem viva tranquilo.
Se o juiz tiver medo de julgar por represália do Executivo ou do Legislativo, não haverá quem reconheça a responsabilidade do Estado por violar o direito alheio. Foi um juiz federal que, em 1978, durante a ditadura militar, condenou a União pela morte do jornalista Vladimir Herzog. Diariamente, centenas de segurados que tiveram seu direito violado pelo INSS são atendidos pelo Judiciário, que atua de forma imparcial para avaliar o direito a uma aposentadoria ou à sua revisão.
Se o juiz tiver medo de julgar por ser punido ou mesmo corrigido pelas instâncias superiores, não haverá quem reconheça novos direitos, como foram reconhecidos, de forma inédita, pelos juízes de primeiro instância, a indenização por dano moral, os direitos das companheiras antes da lei da união estável, o direito a medicamentos, inclusive para o tratamento de doenças como AIDS, os direitos dos casais homossexuais à pensão por morte, o assédio moral, dentre outros.
Se o juiz tiver medo de julgar por conta da repercussão na mídia, os inocentes proprietários do famoso caso “Escola Base”, injustamente acusados de abuso sexual de menores, teriam sido condenados. Aliás, o maior erro judiciário da história da humanidade foi produzido por um juiz que, diante do “clamor social”, lavou as mãos, condenou Jesus e soltou Barrabás.
Se o juiz tiver medo de julgar por ameaças de criminosos e por não haver proteção à sua integridade, então o crime terá vencido o Estado e o cidadão.
A liberdade de consciência do juiz não é para ele. É para a população. Sem ela, não há imparcialidade e nem direito que seja garantido ou há justiça que possa ser feita. Quando julga, o juiz não atende ao seu interesse. Ele atende a uma das partes que precisa daquela ordem para garantir o seu direito.
As recentes manifestações dos juízes federais, que culminaram com um dia de paralisação no dia 27 de abril, são reações às tentativas de intimidação, que não são contra eles, mas sim contra aqueles a quem atendem.
Ao contrário dos outros poderes, os juízes não têm armas. Não têm o poder econômico e não têm o costume de ir à mídia. O Judiciário é o mais fraco dos poderes e por isso era necessário resguardá-lo.
O Judiciário só tem a sua legitimidade constitucional e ela só pode ser alcançada se houver independência que assegure a imparcialidade. As ofensas a esta imparcialidade são ofensas aos cidadãos. Se estes não puderem recorrer a um juiz, não terão mais quem lhes atenda e, aí sim, será o dia do medo para todos.

Projeto de lei cria cargos e funções para o CNJ

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) prevê que deverá sancionado ainda nesta semana projeto de lei criando cargos e funções para o órgão (*).

A proposição que institui o quadro de pessoal do órgão responsável pela fiscalização e planejamento estratégico do Poder Judiciário foi encaminhada ao Planalto no último dia 18 de julho. Pela Constituição Federal, a presidente Dilma Roussef tem prazo de 15 dias para sancionar ou vetar a matéria.

O projeto foi elaborado pelo Supremo Tribunal Federal e enviado à Câmara dos Deputados em 2009. Seguiu para o Senado, onde foi aprovado no último dia 26 de junho, por decisão terminativa da Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça. Como não houve recurso ao Plenário da casa, a proposta foi remetida à Presidência da República para ser sancionada.

A proposição prevê a criação de 100 cargos de provimento efetivo de analista judiciário, 110 cargos de provimento efetivo de técnico judiciário, 21 cargos em comissão – nível CJ 3, seis cargos em comissão – nível CJ 2, 63 funções comissionadas – nível FC6 e 13 funções comissionadas – nível FC4. O preenchimento destas vagas deverá ser feito mediante a realização de concurso público.

A criação e o provimento dos cargos e funções ocorrerão gradativamente e ficarão "condicionadas à expressa autorização em anexo próprio da lei orçamentária anual, nos termos da respectiva lei de diretrizes orçamentárias”.

A proposição também prevê a rescisão do contrato com empresas terceirizadas à medida que os cargos e funções forem sendo implantados.

Parecer do senador Pedro Taques, relator ad hoc do projeto de lei, destaca: “Quanto ao mérito, pensamos que a criação dos referidos cargos só fará aprimorar a estrutura organizacional do Conselho, criado pela Emenda Constitucional nº 45, com a finalidade de exercer o controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar dos tribunais. De acordo com a opinião dominante, o Conselho vem cumprindo papel fundamental, desde a sua criação, na consolidação do Estado Democrático de Direito”.

(*) PL 5.771-D

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

CNJ vai vistoriar unidades paulistas de internação

O Conselho Nacional de Justiça vai começar, na próxima semana, uma série de visitas às unidades de internação de adolescentes de São Paulo. As inspeções fazem parte do programa Justiça ao Jovem e deve durar cerca de dois meses no estado, que é o último a ser visitado pelo CNJ.
Em São Paulo, existem 139 unidades de internação, das quais 97 são para internação definitiva, 60 provisória e nove ao atendimento inicial. Elas abrigam, ao todo, 7,7 mil adolescentes cumprindo medidas socioeducativas.
As visitas serão feitas por oito equipes do CNJ, cada qual com um juiz. Depois das inspeções, os grupos preencherão relatórios com suas impressões das unidades. Os times devem anotar os principais defeitos e também sugerir soluções e mudanças aos órgãos responsáveis, a exemplo do procedimento adotado em outros estados.
Os relatos dos inspetores variam conforme o estado. Em Santa Catarina, por exemplo, há inúmeras queixas de agressões, tratamentos agressivos “e até mesmo tortura por parte de monitores”. Lá, os adolescentes não recebem atendimento educacional ou profissionalizante e permanecem encarcerados o dia inteiro, a não ser quando têm de lavar suas roupas e os pratos dos educadores.
Já em Goiás, primeiro estado a ser vistoriado, “boa parte das unidades possui arquitetura prisional”, sem que o espaço possa ser usado para atividades lúdicas, esportivas ou profissionalizantes. O CNJ também constatou que as unidades de Goiás não separam os internos por idade ou pela gravidade das infrações que cometeram.
De acordo com o juiz auxiliar do CNJ, Reinaldo Cintra, o objetivo do programa é fazer “uma radiografia do sistema socioeducativo do país”. Ao final das visitas, vai ser elaborado um relatório nacional sobre as condições das unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei. As informações são da Assessoria de Imprensa do CNJ.